domingo, 1 de agosto de 2010

The Kane Chronicles Capitulo 1


1. Uma Morte Na Agulha

SÓ TEMOS ALGUMAS HORAS, então, ouça com atenção.
Se estiver ouvindo essa história, você já está em perigo. Sadie e eu talvez sejamos sua única opção. Vá ao colégio. Encontre o armário. Não lhe direi qual colégio ou armário, porque se for a pessoa certa, você o encontrará. A combinação é 13/32/33. Quando tiver terminado de ouvir isso, saberá o que esses números significam. Só lembre-se que a história que contaremos, ainda não chegou ao fim. Como ela termina depende de você.
A coisa mais importante: quando abrir o pacote e encontrar o que tem dentro, não fique com ele por mais de uma semana. Claro, será tentador. Digo, isso lhe dará poder quase ilimitado. Mas se o possuir por muito tempo, ele lhe consumirá. Aprenda seus segredos rapidamente e passe-o adiante. Esconda-o para a próxima pessoa, assim como Sadie e eu fizemos com você. Então, prepare-se para sua vida ficar bastante interessante.
OK, a Sadie está mandando parar de enrolar e começar logo a história. Certo. Acho que tudo começou em Londres, na noite em que nosso pai explodiu o Museu Britânico.
Meu nome é Carter Kane. Tenho 14 anos e meu lar é uma mala.
Acha que estou brincando? Desde que eu tinha 8 anos, meu pai e eu viajamos pelo mundo. Nasci em L.A., mas meu pai é um arqueologista, então, seu trabalho o leva a toda parte. Na maioria daz vezes, vamos ao Egito, já que essa é sua especialidade. Vá a uma livraria, encontre um livro sobre o Egito, há uma grande chance de ele ter sido escrito pelo dr. Julius Kane. Quer saber como os egípcios tiravam o cérebro das múmias, ou construiram as piramides, ou amaldiçoaram a tumba do Rei Tut? Meu pai é o cara certo. Claro, há outras razões para meu pai se mudar tanto, mas eu não conhecia seu segredo na época.
Eu não fui à escola. Meu pai me educou em casa, se puder chamar de ensino “doméstico”, já que não temos uma casa. Ele meio que me ensinou o que considerava ser importante, então, aprendi bastante sobre o Egito, colocações de basquete e seus músicos preferidos. Eu também lia bastante – praticamente qualquer coisa em que eu pusésse as mãos, desde os livros de história do meu pai a livros de fantasia – porque eu passava muito tempo sentado em hotéis e aeroportos e locais de escavações em países estrangeiros em que não conhecia ninguém. Já tentou começar um jogo de arremeços de basquete em Aswan, Egito? Não é fácil.
Enfim, meu pai me treinou desde cedo a sempre levar todos meus pertences em uma mala que coubesse no compartimento de bagagens de mão em um avião. Papai também arrumava sua mala assim, exceto que ele podia levar uma maleta de trabalho, contendo suas ferramentas de escavação. Regra número um: eu não podia olhar em sua maleta. Essa foi uma regra que nunca quebrei, até o dia da explosão.
Aconteceu na véspera de Natal. Estávamos em Londres para visitar minha irmã Sadie.
Sabe, o papai só tem dois dias ao ano pra ficar com ela – um no inverno e outro no verão – porque nossos avós odeiam ele. Depois que nossa mãe morreu, os pais dela (nossos avós) tiveram essa terrível briga judicial com o papai. Depois de seis advogados, duas brigas com socos e um ataque quase fatal com uma espátula (não pergunte), eles ganharam o direito de manter Sadie com eles em Londres. Ela só tinha seis anos, dois anos a menos que eu, e eles não podiam sustentar nós dois – pelo menos essa foi a desculpa que deram por não me levar. Então, a Sadie foi criada como uma estudante britânica e eu viajei por aí com o meu pai. Só víamos a Sadie duas vezes ao ano, o que estava bom pra mim.

[Cala a boca, Sadie. Sim – vou chegar nessa parte.]

Enfim, meu pai e eu tinhamos acabado de chegar em Heathrow depois de alguns atrasos. Era uma tarde chuvosa e fria. Durante todo o trajeto de táxi até a cidade, meu pai pareceu nervoso.
Meu pai é adulto. Você pensa que nada o deixaria nervoso. Ele tem a pele escura como a minha, olhos castanhos profundos, uma careca na cabeça, e uma barbicha de bode, então ele parece um cientista malvado e robusto. Nessa tarde, ele usava seu casaco de inverno de cashmere e seu melhor terno marrom, aquele que ele usava para palestras públicas. Normalmente, ele inspira tanta confiança que domina qualquer recinto que entre, mas às vezes – como naquela tarde – eu via outro lado dele que geralmente não entendia. Ele ficava olhando por cima de ombro como se estivéssemos sendo caçados.

“Pai?” Eu disse quando saíamos do A-40. “O que foi?”
“Nenhum sinal deles”, ele sussurrou. Então, deve ter notado que falou alto, porque olhou para mim meio assustado.“Nada, Carter. Está tudo bem.”
O que me incomodou um pouco, já que o papai é um péssimo mentiroso. Eu sempre soube quando ele estava escondendo alguma coisa, mas também sabia que incomodá-lo não arrancaria a verdade dele. Provavelmente ele estava tentando me proteger, no entanto, do que, eu não sabia. Às vezes me perguntava se ele tinha algum segredo obscuro em seu passado, talvez algum inimigo antigo o seguindo; mas a idéia parecia ridícula. Papai só era um arqueólogo.
Outra coisa que me incomodava: papai estava agarrando sua maleta de trabalho. Normalmente, quando ele faz isso, significa que estamos em apuros. Como naquela vez em que atiradores invadiram nosso hotel em Cairo. Eu ouvi tiros vindos do saguão principal e desci correndo pra ver como meu pai estava. Quando eu cheguei lá, ele estava fechando calmamente sua maleta enquanto três atiradores estavam pendurados no lustre pelos pés, suas roupas caindo por suas cabeças, então, se podia ver suas cuecas. Papai alegou não ter testemunhado nada e no final, a polícia culpou um estranho mal funcionamento do lustre.

Outra vez, nos metemos em uma confusão em Paris. Papai achou o carro estacionado mais perto, me colocou no banco de trás e me mandou ficar abaixado. Eu fiquei colado no chão do carro e fiquei com meus olhos bem fechado. Eu podia ouvir o papai no banco do motorista, explorando sua maleta, resmungando alguma coisa pra ele mesmo, enquanto a máfia gritava e destruia as coisas do ladode fora. Alguns minutos depois, ele me disse que já era seguro eu me levantar. Todos os outros carros do quarteirão haviam virado e pegado fogo. Nosso carro tinha sido lavado recentemente e encerado e várias notas de 20 euros, tinham sido colocadas embaixo do nosso limpador de pára-brisas.
De qualquer modo, passei a respeitar a maleta. Era nosso amuleto da sorte. Mas quando o papai a mantia por perto, era porque precisaríamos de sorte. Dirigimos pelo centro da cidade, indo para a o leste em direção ao apartamento dos meus avós. Passamos pelos portões dourados do Palácio de Buckingham, a grande coluna de pedra da Trafalgar Square. Londres é um lugar bem legal, mas depois de ter viajado por tanto tempo, todas as cidades começam a se misturar. Outras crianças que eu conheço, às vezes dizem “Uau, você tem muita sorte por viajar tanto assim”. Mas não é como se fossemos fazer city tour, ou tivéssemos muito dinheiro pra viajar em alto estilo. Já ficamos em lugares bem barra pesada e dificilmente ficamos por mais de alguns dias. Na maioria das vezes, sinto como se fossemos fugitivos ao invés de turistas.
Digo, você não acharia que o trabalho do meu pai era perigoso. Ele dá palestras com temas tipo “Magia Egípcia Pode Matar Você?” e “Castigos Preferidos do Submundo Egípcio” e mais outras coisas que a maioria das pessoas não ligaria. Mas como eu disse, há esse outro lado dele. Ele é sempre muito cauteloso, checando cada quarto de hotel antes de me deixar entrar. Ele entra rapidamente em um museu, para ver alguns artefatos, faz umas anotações e sai correndo novamente, como se tivesse medo de ser filmado por cameras de segurança.
Uma vez, quando eu era mais novo, nós corremos pelo aeroporto Charles De Gaulle para pegar um vôo de última hora e o papai não relaxou até que o avião tivesse saído do chão, eu perguntei diretamente do que ele estava fugindo e ele me olhou como se eu tivesse acabado de puxar o pino de uma granada. Por um segundo, eu tive medo que ele fosse mesmo me contar a verdade. Então ele disse “não é nada, Carter”, como se “nada” fosse a pior coisa do mundo.
Depois disso, eu decidi que talvez fosse melhor não fazer perguntas.
Meus avós, os Faustus, moravam em um conjunto habitacional perto do Cais dos Canários bem às margens do rio Tâmisa. O taxi nos deixou perto do meio-fio e meu pai pediu para o taxista aguardar. Estávamos na metade da calçada quando o papai ficou estático. Ele se virou e olhou para trás da gente.
“O que foi?” Perguntei.
Então, eu vi o homem de sobretudo. Ele estava do outro lado da rua, encostado em uma enorme árvore morta. Ele tinha o formato de um barril, com a pele da cor de café torrado. Seu casaco e terno preto de risca de giz pareciam caros. Ele tinha cabelos longos e trançados e usava um chapéu cobrindo seus óculos redondo e pretos. Me lembrava um músico de jazz, do tipo que meu pai sempre me arrastava para assistir os shows. Mesmo eu não podendo ver seus olhos, tive a impressão de que ele me observava. Ele podia ser um amigo antigo ou colega do papai. Não importa aonde fôssemos, papai sempre encontrava alguém que conhecia. Mas parecia estranho que o cara estivesse esperando aqui, do lado de fora da casa dos meus avós. E ele não parecia feliz.
“Carter,” meu pai disse “vá indo em frente.”
“Mas –”
“Pegue sua irmã. Encontro vocês no taxi.”
Ele atravessou a rua, indo em direção ao cara de sobretudo, me deixando com duas opções: seguir meu pai e ver o que estava acontecendo ou fazer o que me foi mandado.
Decidi seguir o caminho menos perigoso. Fui buscar minha irmã.
Antes que eu pudesse bater na porta, Sadie a abriu.
“Atrasados como sempre,” ela disse.
Ela segurava sua gata Muffin, que havia sido um presente de “despedida” do meu pai, seis anos antes. Muffin nunca parecia crescer ou envelhecer. Ela tinha pelos macios amarelos e pretos, como uma miniatura de leopardo, olhos amarelos alertas e orelhas pontudas que era muito altas para sua cabeça. Um pingente egípcio prateado balançava em sua coleira. Ela não parecia nada com um muffin (um bolinho), mas Sadie era pequena quando a nomeou, então, precisam dar uma aliviada pra ela.
Sadie também não havia mudado muito desde o último verão.
[Enquanto gravo isso, ela está parada ao meu lado, olhando, então, melhor eu tomar cuidado em como descrevê-la.]
Você nunca imaginaria que ela é minha irmã. Primeiro, ela mora na Inglaterra há tanto tempo que tem sotaque britânico. Segundo, ela puxou à nossa mãe, que era branca, então, a pele de Sadie é bem mais clara do que a minha. Ela tem cabelos lisos caramelados, não loiros, mas não exatamente castanhos, que normalmente ela pinta com mechas de cores claras. Naquele dia, tinha mechas vermelhas do lado esquerdo. Seus olhos são azuis. É sério. Olhos azuis, como os da nossa mãe. Ela só tem 12 anos, mas é tão alta quanto eu, o que é realmente chato. Como sempre, ela mascava chiclete, vestida para seu dia com o papai com jeans surrados, uma jaqueta de couro e botas, como se ela estivesse indo a um show e esperasse esbarrar em umas pessoas. Ela tinha fones de ouvido balançando ao redor do pescoço, caso a gente a entediasse.
[Certo, ela não me bateu, então acho que fiz um bom trabalho a descrevendo.]
“Nosso avião se atrasou,” eu lhe disse.
Ela fez uma bola com o chiclete, acariciou a cabeça de Muffin e colocou o gato para dentro. “Vó, to saindo!”
De algum lugar da casa, a vovó Faust resmungou uma coisa que não consegui entender, provavelmente “Não os deixe entrar!”
Sadie fechou a porta e me olhou como se eu fosse um rato morto que seu gato tivesse trazido para dentro de casa. “Então, aqui está você de novo.”
“É.”
“Vamos então.” Ela suspirou. “Vamos acabar logo com isso.”
Ela era assim. Sem “oi, como você passou os últimos seis meses? Estou tão feliz de te ver!” ou coisa do tipo. Mas, por mim tudo bem. Quando você vê a outra pessoa apenas duas vezes ao ano, é como se fossem primos distantes ao invés de irmãos. Nós não tínhamos absolutamente nada em comum, a não ser nossos pais.
Descemos as escadas. Eu estava pensando em como ela cheirava a uma combinação da casa de pessoas velhas com chiclete, quando ela parou abruptamente, eu esbarrei nela.
“Quem é aquele?” ela perguntou.
Eu tinha quase esquecido do cara de sobretudo. Ele e meu pai estavam parados do outro lado da rua perto da grande árvore, tendo o que parecia ser, uma séria discussão. Papai estava de costas, então, eu não pude ver seu rosto, mas ele gesticulava com as mãos, como fazia quando estava agitado.
“Não sei,” eu disse. “Ele estava ali quando estacionamos.”
“Ele parece familiar”. Sadie franziu a testa como se estivesse tentando lembrar. “Venha”.
“Papai quer que a gente espere no táxi.” Eu falei, mesmo que tivesse sido nada. Sadie já estava andando.
Ao invés de atravessar a rua em linha reta, ela desceu a calçada por meio quarteirão, se escondendo atrás dos carros, aí atravessou para o outro lado e se agaixou por trás de uma pequena parede de pedra. Ela começou a ir atrás do nosso pai, escondida. Não tive muita escolha a não ser seguir seu exemplo, mas me fez sentir meio idiota.
“Seis anos na Inglaterra,” resmunguei “E ela já se acha o James Bond.”
Sadie me bateu sem olhar para trás e continuou se arrastando para frente.
Mais alguns passos e estávamos atrás da grande árvore morta. Eu podia ouvir meu pai do outro lado dizendo “– precisa, Amos. Sabe que é a coisa certa.”
“Não,” disse o outro homem que deveria ser Amos. Sua voz era profunda e – bastante insistente. Seu sotaque era americano. “Se eu não impedir você, Julius, eles irão. Os Per Ankh es tão seguindo você.”
Sadie virou-se para mim e murmurou as palavras “Per o que?”
Eu balancei a cabeça, tão perplexo quanto. “Vamos sair daqui,” sussurrei, porque achei que seríamos vistos a qualquer minuto e estaríamos e sérios problemas. Sadie me ignorou, claro.
“Eles não conhecem meu plano,” papai dizia. “Quando eles tiverem descoberto…”
“E as crianças?” Amos perguntou. Os cabelos da minha nuca se eriçaram. “E quanto a eles?”
“Fiz uns arranjos para protegê-los,” papai disse. “Além do mais, se eu não fizer isso, eles estarão em perigo. Agora, vá embora.”
“Não posso, Julius.”
“É um duelo que você quer?” O tom na voz de papai tornou-se sério. “Você nunca conseguiu me vencer, Amos.”
Não via meu pai ficar violento desde o incidente da grande espátula, e eu não estava ansioso para ver uma repetição daquilo, mas os dois homens pareciam estar à beira de uma briga.
Antes que eu pudesse reagir, Sadie levantou-se e gritou, “Pai!”
Ele pareceu surpreso quando ela o abraçou, mas não tão surpreso quanto o outro cara, Amos. Ele afastou-se tão rapidamente que tropeçou em seu sobretudo.
Ele havia tirado seus óculos. Não pude deixar de pensar que Sadie tinha razão, Amos parecia mesmo familiar, como uma memória antiga.
“Eu – eu devo ir,” ele balbuciou. Arrumou seu chapéu e começou a descer a rua.
Nosso pai o observou indo embora. Ele mantia um braço ao redor de Sadie de modo protetor e o outro dentro da maleta de trabalho que estava pendurada em um dos ombros. Finalmente, quando Amos desapareceu na esquina, papai tirou a mão de dentro da bolsa e sorriu para Sadie. “Olá, querida.”
Sadie afastou-se dele e cruzou os braços. “Ah, agora é querida, né? Você está atrasado! O dia de visitação está quase no fim! E o que era aquilo? Quem é Amos e o que é o Per Ankh?”
Papai ficou reto. Ele olhou para mim, como se estivesse se perguntando o quanto haviamos ouvido.
“Não é nada.” Ele disse, tentando parecer animado. “Tenho uma ótima noite planejada. Quem gostaria de um passeio particular pelo Museu Britânico?”
Sadie tombou no banco de trás do táxi entre o papai e eu.
“Não acredito,” ela resmungou. “Uma noite juntos e você quer pesquisar.”
Papai tentou sorrir. “Querida, vai ser divertido. O curador da coleção egípcia convidou pessoalmente…”
“Certo, grande surpresa.” Sadie soprou uma grande mecha de cabelo vermelho para longe de seu rosto. “Véspera de Natal e vamos ver umas relíquias velhas e cheias de mofo do Egito. Você por acaso pensa em outra coisa?”
Papai não ficou com raiva. Ele nunca fica com raiva de Sadie. Ele só olhou pela janela, para o céu que escurecia e a chuva.
“Sim,” ele disse calmamente. “Eu penso.”
Toda vez que o papai ficava quieto assim e começava a olhar para o nada, eu sabia que ele estava pensando em nossa mãe. Durante os últimos meses, isso aconteceu demais. Eu estava em nosso quarto de hotel e o encontrava com o celular em mãos, com a foto da mamãe sorrindo para ele da tela – seus cabelos colocados para dentro do lenço de cabeça, seus olhos azuis cintilando contra o fundo desértico.
Ou estávamos em algum local de escavação. Eu via o papai olhando para o horizonte, e sabia que ele estava se lembrando de como a conheceu – dois jovens cientistas no Vale dos Reis, em uma escavação para descobrir uma tumba perdida. Meu pai era um egiptólogo. Mamãe era uma antropologista à procura de DNA antigo. Ele me contou a história inúmeras vezes.
Nosso táxi cruzou as ruas às margens do Tâmisa. Logo depois da ponte Waterloo, papai ficou tenso.
“Motorista,” ele disse. “Pare aqui um momento.”
O taxista encostou perto do Victoria Embankment.
“O que foi, pai?” Perguntei.
Ele saiu do táxi como se não tivesse me escutado. Quando Sadie e eu nos juntamos a ele na calçada, ele olhava para a Agulha de Cleópatra.
Caso nunca a tenha visto: a Agulha é um obelisco, não uma agulha, e não tem nada a ver com a Cleópatra. Vai ver os britânicos só acharam o nome legal quando trouxeram para Londres. Ela tem certa de 22m de altura, o que deveria ser bem grande no Antigo Egito, mas aqui no Tâmisa, com todos os prédios enormes ao redor, parece pequena e triste. Você poderia passar de carro por ela e nem se dar conta de que passou por algo mil anos mais antigo do que a cidade de Londres.
“Deus.” Sadie andou frustrada em círculos. “Será que temos que parar em cada monumento?”
Meu pai olhava para o topo do obelisco. “Eu tinha que ver de novo,” ele murmurou. “Onde aconteceu…”
Um vento gélido passou pelo rio. Eu queria voltar para o táxi, mas meu pai estava começando a me deixar preocupado. Eu nunca o tinha visto tão destraido.
“O que, pai?”perguntei. “O que aconteceu aqui?”
“O último lugar que a vi.”
Sadie parou de andar. Ela me olhou meio incerta, e então, para o papai. “Espera aí. Quer dizer, a mamãe?”
Papai colocou o cabelo de Sadie para trás da orelha e ela estava tão surpresa, que não o afastou.
Senti como se a chuva tivesse me congelado. A morte da mamãe sempre fora um assunto proibido. Eu sabia que ela tinha morrido em um acidente em Londres. Sabia que meus avós culparam meu pai. Mas ninguém nos dera detalhes. Eu tinha desistido de perguntar ao papai, parte porque o deixava triste e parte porque ele se recusava a me contar alguma coisa. “Quando você for mais velho” era tudo o que ele dizia, o que era a resposta mais frustrante do mundo.
“Está dizendo que ela morreu aqui,” eu disse. “Na Agulha de Cleópatra? O que aconteceu?”
Ele abaixou a cabeça.
“Pai!” Sadie protestou. Eu passo por aqui todos os dias, e quer dizer que – esse tempo todo – eu nem sabia?”
“Você ainda tem sua gata?” Papai perguntou a ela, o que pareceu uma pergunta bem idiota.
“Claro que ainda tenho a gata!” ela respondeu. “O que tem a ver com isso tudo?”
“E seu amuleto?”

Sadie levou a mão ao pescoço. Quando éramos menores, antes de Sadie ir morar com nossos avós, papai nos deu amuletos egípcios. O meu era um Olho de Hórus, um símbolo de proteção muito popular no Antigo Egito.

Na verdade, meu pai sempre diz que o símbolo farmacêutico moderno Ɽ, é uma versão simplificada do Olho de Hórus, porque a medicina deve proteger você.
De qualquer modo, eu sempre usei meu amuleto por baixo da camisa, mas achei que a Sadie tivesse perdido o dela ou jogado fora.
Para a minha surpresa, ela assentiu, “Claro que tenho, pai, mas não mude de assunto. A vovó sempre fala de como você causou a morte da mamãe. Isso não é verdade, é?”
Nós esperamos. Pela primeira vez, Sadie e eu queríamos a mesma coisa – a verdade.
“Na noite em que sua mãe morreu,” meu pai começou. “Aqui na Agulha…”
Uma luz repentina iluminou a barragem. Eu me virei, meio cego e por um momento pude ver duas figuras: um homem alto e pálido de barba dividida e usando roupas da cor de creme, e uma garota de pele cor de bronze com roupas azuis e um lenço de cabeça – o tipo de roupa que eu já tinha visto centenas de vezes no Egito. Eles estavam apenas ali parados lado a lado, a uns seis metros, nos observando. Então, a luz desapareceu. As figuras se misturaram com o ambiente. Quando meus olhos se readaptaram para a escuridão, eles tinham sumido.
“Uh..” Sadie disse, nervosa. “Vocês viram aquilo?”
“Entrem no táxi.” Meu pai falou, nos empurrando em direção ao meio fio. “Estamos atrasados.”
Daí em diante, meu pai se calou.
“Aqui não é o lugar para se conversar.” Ele disse, olhando por trás de nós. Ele prometeu ao taxista mais dez libras se ele nos levasse ao museu em menos de cinco minutos e o motorista estava dando seu melhor.
“Pai,” eu tentei. “Aquelas pessoas no rio…”
“E aquele cara, Amos.” Sadie disse. “Eles são da polícia egípcia ou algo do tipo?”
“Olhem, vocês dois,” papai disse. “Vou precisar de sua ajuda esta noite. Sei que é difícil, mas precisam ser pacientes. Explicarei tudo, prometo, depois que chegarmos ao museu. Vou consertar tudo.”
“O que quer dizer?” Sadie insistiu. “Consertar o que?”
A expressão do papai estava mais do que triste. Estava quase culpada. Com um arrepio, eu pensei no que Sadie havia dito: sobre nossos avós o culparem pela morte da mamãe. Aquilo não podia ser sobre o que ele estava falando, né?
O taxista acelerou pela Great Russell Street e freou bruscamente em frente aos portões principais do museu.
“Só façam o que eu digo.” Papai nos disse. “Quando nos encontrarmos com o curador, ajam normalmente.”
Eu estava pensando em como Sadie nunca agia normalmente, mas decidi não dizer nada.
Nós descemos do táxi. Eu peguei nossas bagagens enquanto o papai pagava o taxista com uma grande quantia em dinheiro. Então, ele fez uma coisa estranha. Jogou um monte de objetos estranhos no banco de trás – eles pareciam pedras, mas estava muito escuro para eu ter certeza. “Continue dirigindo,” ele disse ao taxista. “Nos leve para Chelsea.”
Aquilo não fez o menor sentido já que já estávamos fora do táxi, mas o taxista foi embora. Eu olhei para o papai, então, de volta para o táxi e antes que ele virasse na esquina e desaparecesse no escuro, eu vi de relance, três passageiros no banco de trás: um homem e duas crianças.
Pisquei. Não tinha como o taxista ter pego três passageiros tão rapido assim “Pai…”
“Táxis em Londres nunca ficam vazios por muito tempo.” Ele disse seguro. “Vamos, crianças.”
Ele passou pelos portões grossos. Por um segundo, Sadie e eu hesitamos.
“Carter, o que está acontecendo?”
Eu balancei a cabeça. “Não tenho certeza de que quero saber.”
“Bom, fique aqui no frio se quiser, mas eu não sairei daqui sem uma explicação.” Ela virou-se e andou atrás do papai.
Relembrando isso, eu deveria ter corrido. Deveria ter tirado a Sadie dali e fugido para o mais longe possível. Ao invés disso, eu a segui através dos portões.

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